(Lisboa, 1975). Es autora de Filha Febril (Douda Correria, 2017).
Las enredaderas invadían los predios de mi barrio transformándolos en casas de duendes o cualquier criatura de un bosque encantado. De vez en cuando las cortaban revelando la arquitectura que la naturaleza escondía. En primavera regresaban para mitigar el calor del verano. Las casas se veían más bonitas vestidas, al contrario de nosotros, que nos vemos más bonitos desnudos. Las barrigas dilatadas, la piel colgando, los senos y los testículos esmirriados son tan honestos y bellos como los firmes. En nosotros, hasta una hoja de parra es demasiado. ¿Nos habrán siempre dicho lo que es la belleza?
Me convertí en la consecuencia de la consecuencia de la consecuencia terapias inútiles para un tocador que no acepta ningún espejo, torrentes de pensamientos tras pensamientos tras pensamientos sin parar, todos resultado de pensamientos tras pensamientos tras pensamientos sin parar, una centrifugadora imparable. Analfabeta y ciega en un mundo de luz blanca, quiero reorganizar la cronología de todo. Porque las cosas sólo cambian de verdad cuando un omnívoro que parimos nos atraviesa con una mirada de la cual, por más que nos resguardemos, no podemos esconder nada. Esos ojos nos atraviesan, somos transparentes, con obvios artificios —las putas de las hojas de parra. La vergüenza es un parásito, hay que abandonarla, ser el mendigo de la Baixa que disgusta a los turistas y exhala un aroma a tercer mundo cuando muestra sus llagas a los transeúntes, acostumbrarse a la limosna para tratar de saber si no todo está perdido, recordar una conversación con un amigo —ese diálogo relajado— es el premio del que da (dinero bien gastado, a fin de cuentas).
No paseo por todas las calles, las de los antiguos amores, por ejemplo, se vuelven inhóspitas.
Perdí todas mis familias, abandoné el río —dejé de confesarle mezquindades e incompetencias para que me diera alguna penitencia. Confesarse con el río y cumplir penitencias nos salva, pero lo contamina —es mejor no hacerlo. No quiero aprender a preparar sashimi, hacer origami o cerámica, sólo un patio donde cosechar buenos alimentos con la conciencia limpia.
Mi tiempo no es el de hoy ni el de mañana, mi tiempo es estúpido, ensimismado, un niño de cinco años en un cuerpo de cuarenta, mis intereses son analógicos, mis termómetros de mercurio, mis básculas tienen platillos y fiel, doy cuerda a los relojes —el de pared tiene un cucú.
Me hablan de vacío, pero lo que hay es somnolencia, no hay vacío, hay un hambre insaciable de consuelo, no hay vacío, hay una abundancia que hincha el estómago, que nos ata al escritorio, que nos pega las lenguas a las pantallas y a los escaparates —lamemos todo lo que esté detrás de un vidrio. No hay vacío, hay consumo —que se rían de nosotros los que no tienen nada. No hay vacío, hay sed y agotamiento, vidas que no producen, tiempo que no rinde, producción excesiva que, además, no alcanza. Ojalá el vacío.
Vacío es que me miren (bien alimentada, lavada y arreglada) y se vuelvan a ver al vendedor de pañuelos desechables en el metro. No es obligatorio comprar nada, un «No, gracias» basta.
Vacío es mirar el horizonte en lugar de correr hacia él con lágrimas de alegría, exclamando «Eres mi infinito». Vacío es la muerte del amor, y terror absoluto el lugar al que nadie debería poder mirar: el sufrimiento de los hijos.
Soy sacerdotisa de la divinidad que surgió de mí. No habla por medio de oráculos o de mesías, es una sílfide, una Blimunda. Pero rendirle culto no puede serlo todo o no tendré nada que ofrecerle. El culto de la maternidad implica saber detenerse, escuchar, viajar y conversar con mujeres que fuman puros en La Habana o en Birmania, ver dónde se funda la humanidad, dónde se arraiga.
Lo que hago mejor es mimar y cuidar a los que amo, consentirlos, oírlos, preocuparme por ellos hasta el exceso. Soy madre y envejezco. Por eso no esperan de mí cosas nuevas, nuevas perspectivas, más y más trabajo, detesto las baratijas y la informática, tengo heridas que no sanan —brillan, me reflejan, no puedo más que asumirlas, dejarlas al aire para que no se necrosen.
Pero todo esto cansa. Por eso me callo, me desvisto y entro por la enredadera.
Versión del portugués de Blanca Luz Pulido.
As videiras invadiam as moradias do meu bairro / transformando-as em casas de duendes / ou quaisquer criaturas de uma floresta encantada. / De vez em quando aparavam-nas / descobrindo a arquitectura que a natureza escondia. / Na primavera, regressavam / para as arrefecer do calor do estio. / Ficavam mais bonitas vestidas, / ao contrário de nós, que somos mais bonitos nus. / As barrigas dilatadas, a pele pendente, / as mamas e os testículos desmaiados / tão honestos e belos quanto os firmes. / Em nós, até uma folha de parra é excessiva. / Ter-nos-ão sempre dito o que é a beleza? // Tornei-me sequela da sequela da sequela / terapêuticas inúteis para um toucador que tolera espelho algum, / torrentes de pensamentos atrás de pensamentos / atrás de pensamentos sem parar / todas resultantes de pensamentos atrás de pensamentos / atrás de pensamentos sem parar, / uma centrifugadora irrefreável. / Analfabeta e cega num mundo de luz branca, / quero reorganizar a cronologia de tudo isto. / Porque as coisas só mudam de verdade / quando um omnívoro que parimos nos atravessa / com o olhar ao qual, / por mais que nos cobramos, / não conseguimos esconder nada. / Para esses olhos, somos trespassáveis, / transparentes com os artifícios em evidência / —as putas das folhas de parra. /
A vergonha é um parasita, há que perdê-la, / Tornar-se o pedinte da Baixa / que desgosta os turistas e nebuliza / um aroma a terceiro mundo / quando expõe as chagas aos transeuntes, / habilitar—se à esmola para tentar perceber / se nem tudo está perdido, /recordar uma conversa com um amigo / —esse cara-a-cara de testas lisas /é o prémio do dador / (dinheiro bem gasto, feitas as contas). // Não passeio em todas as ruas, / as dos antigos amores, por exemplo, / tornam-se inóspitas. // Perdi todas as famílias, abandonei o rio / —deixei de lhe confessar mesquinhezes e incompetências / para me devolver uma qualquer penitência. / Fazer confissões ao rio e cumprir penitência salva-nos, / mas polui-o —melhor deixá-lo. //
Não me predisponho a aprender a fazer / sashimi, origami ou cerâmica, / apenas um quintal de onde colher alimentos bons / com a consciência limpa. / O meu tempo não é o de hoje nem o de amanhã, / o meu tempo é estúpido, ensimesmado, / um miúdo de cinco anos num corpo quadragenário, / os meus interesses são analógicos, / os termómetros, de mercúrio, / as balanças têm pesos e fiel, / dou corda aos relógios / —o de parede tem um cuco. //
Falam-me em vazio mas o que há é torpor / não há vazio, há uma fome insaciável de consolo / não há vazio, há a abundância que incha o estômago / que nos ata à secretária / que nos cola as línguas aos ecrãs e às vitrinas / —lambemos tudo o que esteja atrás de um vidro. / Não há vazio, há consumo / —riam-se de nós os que não têm nada. / Não há vazio, há sede e esgotamento, / vidas que não rendem, tempo que não estica, / produção de sobra e que ainda por cima não rende. / Oxalá o vazio. // Esvaziamento é olharem para mim / (bem alimentada, lavada e enfeitada) / mas virarem a cara ao vendedor de pensos rápidos no metro. / Não é obrigatório comprar nada, / um «Não, obrigado» basta. // Esvaziamento é fitar o horizonte / em vez de correr para ele com lágrimas de alegria / bradando «És o meu infinito». / Esvaziamento é a morte do amor, / e terror absoluto o sítio para onde / ninguém deveria ser capaz de olhar: / o sofrimento dos filhos. // Sou sacerdotisa da divindade de mim saída. / Não fala através de oráculos ou messias, / é uma sílfide, uma Blimunda. / Mas prestar-lhe culto não pode tornar-se tudo / ou não terei o que lhe ofertar. / O culto da maternidade implica saber parar, / escutar, viajar e conversar com mulheres / que fumam charutos em Havana ou na Birmânia, / ver onde se funda a humanidade, onde se implanta. // O que melhor faço é mimar e cuidar dos que quero, / acarinha-los, ouvi-los, / preocupar-me com eles até à zanga. / Sou mãe e envelheço. Por isso / não esperam de mim coisas novas, / novas perspectivas, mais e mais trabalho, / detesto zingarelhos e informática, / tenho feridas que não saram / —reluzem, reflectem-me, / não posso senão assumi-las, / deixá-las ao ar para não necrosarem. // Mas tudo isto cansa. / Por isso calo-me, dispo-me / e penetro pela videira.