Un rincón de la Tierra

Vasco Gato

(Lisboa, 1978). Autor de la novela Adius (Ed. Abysmo, 2020).

 Me gustaría descansar
 en un rincón de la Tierra
 donde sólo
 me visitaran el anonimato
 y el vientre obstinado
 de la vida.
  
  
 Somos un obstáculo
 de la luz del sol.
 No, espera.
 Explosiones que se purifican 
 en una pestaña. 
  
  
 La tierra cubre
 todas las reliquias:
 es lecho de una sed
 permanente.
 No me entregues
 la ruina
 de tu tránsito. 
  
  
 Lo que llevo dentro de mí
 son sobre todo cosas
 a punto de derrumbarse.
 Como un cimiento de lo efímero,
 algo que germinó
 bebiendo sombra.
  
  
 La vida cortada al ras,
 como una uña,
 palpitando.
 Allá afuera
 sólo el demorado depósito
 de los siglos.
 Que tu cuerpo
 oculte siempre
 la penuria del mundo.
  
  
 Queda poco,
 llegados al fin del fingimiento.
 Los días nos perforaron:
 es evidente que estamos solos.
 Lo que más quisimos guardar
 fue lo que nos separó.
  
  
 Nuestros viajes
 serán discretas migraciones.
 De la suavidad infantil
 a la arruga de las páginas memorables.
 En el papel del rostro, claro.
 Y un solo punto final.
  
  
 Cuelgo los ojos
 de un diente de león
 para extraer del día
 un secreto panorámico.
 Quiero ver lo que sólo la levedad
 puede ver.
  
  
 Las cosas perduran
 porque se corrompen. 
 Si fallé
 fue para seguir siendo.
 Date cuenta: la belleza
 es ver en los fragmentos. 
  
  
 Llegaste tarde
 a lo que querías proteger.
 Aflicciones, rencores,
 clausuras, victorias:
 todo te alejó
 de la floración del pasmo.
  
  
 Lugares
 por donde no pasaremos,
 la primavera
 selectiva del azar.
 Un trazo, es lo que somos.
 Y, a lo lejos,
 el abismo de las cosas que no vimos.

Versión del portugués de Blanca Luz Pulido.

Um canto da terra

Gostaria de repousar / num canto da terra / onde apenas / me visitassem o anonimato / e o ventre obstinado / da vida.

Somos uma complicação / da luz do sol. / Não, espera. / Explosões refinando-se / numa pestana.

A terra cobre / todas as relíquias: / é leito de uma sede / permanente. / Não me tragas / o destroço / da tua passagem.

O que levo dentro de mim / são sobretudo coisas / prestes a desabar. / Como um alicerce do efémero, / algo que germinou / bebendo sombra.

A vida cortada rente, / como uma unha, / a palpitar. / Lá fora / só o demorado depósito / dos séculos. / Que o teu corpo / tape sempre / a penúria do mundo.

Sobra pouco, / chegados ao fim do fingimento. / Os dias picotaram-nos: / é evidente que estamos sós. / O que mais quisemos guardar / foi o que nos isolou.

As nossas viagens / serão discretas migrações. / Da lisura infantil / ao vinco das páginas memoráveis. / No papel do rosto, claro. / E um único ponto final.

Penduro os olhos / num dente-de-leão / para extrair do dia / um segredo panorâmico. / Quero ver o que só a leveza / pode ver.

As coisas perduram / porque se deturpam. / Se falhei / foi para continuar a ser. / Repara: a beleza / é ver nos cacos.

Chegaste tarde / ao que querias proteger. / Mágoas, rancores, / clausuras, vitórias: / tudo te afastou / da floração do pasmo. Lugares / por onde não passaremos, / a primavera / selectiva do acaso. / Um recorte, é o que somos. / E, mais além, / o abismo das coisas que não vimos.

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