Poemas / João Rasteiro

      Border Patrol: Self-portrait

      With Paula, Reflection and João
      para Paula Rego

El espejo aproxima el rostro de la mujer
      y denuncia hasta abortar los ojos
      sin ángeles ni animales, sin periferia,
      desnudo de todo, sólo habitado
      por una niña que susurra
      el extremo delito, desnudo de todo,
      menos de la lujuria y de su nombre,
      del alfabeto, de la familia de Lázaro
      que llora y llora por su perro perdido
      —el espejo aproxima el color del pecado.
      El espejo tiene guadañas y alas
      al contrario de la alegoría de la consolación,
      y durante el terrorífico y cruel delirio
      de la mujer sentada delante del espejo,
      hay una soledad atroz, una niña
      con el animal femenino dentro de sí,
      la menstruación abriendo la boca
      del indicio del cuerpo expeliendo feroz
      un embrión —niña y pincel, «el centro
      sísmico del mundo » en su revelación.

La mujer está inmóvil delante del espejo
      (donde todos los demonios y los pasos
      efímeros pugnan por la animalidad en libertad
      por la preservada fábula de la infancia)
      pero ahí dentro pelean cuerpos bastardos.

La mujer se hunde en la silla, y el espejo
      en la ausencia de un deseo indefinido
      es la «extrañeza que no pertenece a nadie » .

El espejo está vivo, y cuando la mujer
      se vuelve hacia el interior de su bestialidad,
      pinta alucinada «para darle una cara al miedo » .

 

El único estilo para la muerte

colinas tan próximas como si guardaran
      nuestros propios ojos e inmediatamente después
      se las lleva el viento hacia adjetivos distantes
      Herberto Helder

Una nueva mañana de marzo, aunque temprano
      para leerte, pero tal vez ya muy tarde para retornar
      al cerezo que me arroba los sueños ciegos.

Leerte, dejar de leerte, leerte o no leerte
      no es decisión humana que se exija al habla o verso,
      a la casi pasión «prendida en carne de la lengua » .

Y aunque el gorjeo del mundo ya sea ensordecedor,
      está tan próximo a mí que es en él donde respiro,
      existe el momento, no el cuerpo, el día y sus márgenes.

Es marzo, la mañana se propaga como un volcán,
      mi cuerpo, zurdo, yace postergado como la primavera
      en tu ausencia, aguarda el espasmo del cerezo.

Leerte, dejar de leerte (ayer se me murió el vecino
      del tercer piso), «no es lo mismo que meter la cabeza
      en el agujero abisinio » : en rigor, todo está fuera de mí.

Las voces se levantan feroces e indistintas, el cielo llora
      en diluvio inundando la lengua, el poema muere,
      «morir por una rosa es un caso delicado » : me levanto

y te escupo, ¡el único estilo para la muerte vertiginosa y cruda!

Versiones del portugués de Mario Morales

Oh casa de bambú escucha
      para António Lobo Antunes

Todavía indago la previsión de la tela, las horas siguen otras horas,
      los días otros días, y toda la fiel renuncia compara la soledad.
      Hay múltiples manchas de abismo casi siempre sobrepuestas
      a la delicadeza de la casa que me recuerdan los ecos primordiales
      de cierto poema babilónico: «¡oh casa de bambú escucha!»
      Son horas de sol en el paisaje del día y yo en el cuarto me siento
      en el horario nocturno del mundo, en el lugar donde no hay cielo,
      ni suelo, o por lo menos un alborozado nombre. El cuerpo pesaroso
      de la secretaria y tumba de libros. En él ya no alcanza el tiempo.
      Hay sólo un espacio negro y atiborrado. La noche y mis rodeos
      de un destino cualquiera. En lo alto del acervo en frágil equilibrio,
      «un halcón en el puño» de Maria Gabriela Llansol, y el brillo
      de los misteriosos seres nocturnos que me ciñen casi hasta sofocar,
      tal como a la autora de «¿Dónde Vais, Drama-Poesía?» Hoy y ahora,
      sé que en mi lengua encubierta de soñador agotado,
      «este lugar no tiene significación de diccionario, no transmigró
      hacia ningún libro». La tela se cierra. El día se abre. El cuerpo
      ajustado en su total desvarío es casi tan agrio como el poema.

Versión del portugués de José Javier Villarreal

 

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      Border Patrol: Self-portrait
      With Paula, Reflection and João
      à Paula Rego

O espelho abeira o rosto da mulher / e denuncia até abortar os olhos / sem anjos nem animais, sem periferia, / despido de tudo, apenas habitado / por uma criança que sussurra / o extremo delito, despido de tudo, / menos da luxúria e do seu nome, / do alfabeto, da família de Lázaro / que chora e chora o seu cão perdido / —o espelho avizinha a cor do pecado. // O espelho tem gadanhas e asas / à revelia da alegoria da consolação , / e durante o terrífico e cruel delírio / da mulher sentada diante do espelho, / há uma solidão atroz, uma criança / com o animal feminino dentro de si, / a menstruação abrindo a boca / do indício de corpo expelindo feroz / um embrião —criança e pincel, «o centro / sísmico do mundo » em sua revelação. // A mulher está imóvel diante do espelho / (onde todos os demónios e os passos / efémeros pugnam a animalidade à solta / pela preservada fábula da infância) / mas lá dentro pelejam vultos bastardos. // A mulher funde-se na cadeira, e o espelho / na ausência de um desejo indefinido / é a «estranheza que não pertence a ninguém » . // O espelho está vivo, e quando a mulher / se vira para o interior da sua bestialidade, / pinta alucinada «para dar uma face ao medo » .

O único estilo para a morte
      colinas tão próximas como se guardassem
      os nossos próprios olhos e logo depois
      leva-as o vento para adjectivos longínquos
                                  Herberto Helder

Uma nova manhã de Março, ainda que cedo / para ler-te, mas talvez já muito tarde para retornar / à cerejeira que me inebria os sonhos cegos . // Ler-te, deixar de ler-te, ler-te ou não ler-te / não é decisão humana que se exija à fala ou verso, / à quase paixão «travada em carne da língua » . // E ainda que o gorjeio do mundo já seja ensurdecedor, / está tão próximo de mim que é nele que resfolgo, / há o momento, não o corpo, o dia e as suas margens. // É Março, a manhã propaga-se como um vulcão, / e o meu corpo, canhoto, jaz adiado como a primavera / na tua ausência, aguarda o espasmo da cerejeira. // Ler-te, deixar de ler-te (ontem morreu-me o vizinho / do 3º andar), «não é o mesmo que meter a cabeça / num buraco abissínio » : em rigor, tudo está fora de mim. // As vozes erguem-se ferozes e indistintas, o céu chora / em dilúvio alagando a língua, o poema morre, / «morrer por uma rosa é que fia mais fino: » ergo-me // e cuspo-te, o único estilo para a morte vertiginosa e crua!

ó casa de bambu escuta
      ao António Lobo Antunes

Indago ainda a previsão da teia, as horas seguem outras horas, / os dias outros dias, e toda a fiel renúncia afere a solidão. / Há múltiplas manchas de abismo quase sempre sobrepostas / à delicadeza da casa que me lembram os ecos primordiais / de um certo poema babilónico: «ó casa de bambu escuta!» / São horas de sol na paisagem do dia e eu no quarto sinto-me / no horário nocturno do mundo, no lugar onde não há céu, / nem chão, ou ao menos um alvoroçado nome. O pesaroso corpo / da secretária é túmulo de livros. Nele já não alcança o tempo. / Há só um espaço negro e atulhado. A noite e as minhas voltas / de um qualquer destino. No alto do acervo em frágil equilíbrio, / «um falcão no punho» de Maria Gabriela Llansol, e o brilho / dos misteriosos seres nocturnos que me cingem quase até sufocar, / tal como à autora de «Onde Vais, Drama-Poesia?» Hoje e agora, / sei que na minha língua encoberta de sonhador esgotado, / «este lugar não tem significação de dicionário, não transmigrou / para nenhum livro». A teia fecha-se. O dia abre-se. O corpo / ajustado em seu total desvario é quase tão agro como o poema.

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