Poemas / João Luí­s Barreto Guimarães

Preludio

Transporto conmigo este día como
la suela del zapato transporta una
goma de mascar. El poema va sin miedo
(se dispone sobre papel)
deja escrito en negro lo
que tenía que decir
(persiguiendo sin pereza lo que
aún no existe). ¿Y a qué huele el nuevo día?
Por ahora a papa frita —
pequeño prodigio un poema: a él
le cabe decidir si engalana
(o no) lo
real. Porque siempre habrá alguien en busca
de imágenes precisas
(rechazando el artificio que adorna la belleza)
preguntando por la verdad que existe
en las cosas comunes.

 

Manzanas silvestres

Más que el primer verso me inquieta
el siguiente: ¿el
segundo quién lo da? Escojo el
mundo
con los párpados (abriendo y cerrando los ojos)
escoger es excluir
excluir es entender
entender es conservar. Cada poema escrito es
una oportunidad
como alguien a quien se toca y sin
darse cuenta pasa corriente
(una espina en la garganta) la
uña en una
pizarra. Hacer poemas es como ir
a robar
manzanas silvestres —
vas a la espera de dulzura pero
te sorprende la acidez. Dentro del poema:
sonidos
(alrededor: espacio blanco)
silencio trabajando.

La hipótesis del gris

En un mundo en blanco y negro
me recomendaron el gris. Un recurso
extraordinario. Con la hipótesis del gris podría
ensayar
soluciones inusitadas —
experimentar el tibio (que no es frío ni
caliente)
explorar el crepúsculo (que
no es noche ni día) practicar la omisión
(que no es falsa
ni verdad). Blanco y negro mezclados permitían
finalmente
vivir en conformidad —
desocupar los extremos (tan ajenos a la virtud)
licuarme en la turba
en el centro del
promedio
dorado. Con la paleta de los grises podría
refinar el arte de la sobrevivencia que
(como los mansos bien lo saben) es
no estar vivo
ni muerto.

 

Falsa vida

No recuerdo en qué
naufragio
dijiste que venías
Vítor Sousa

La
arena que traes de la playa no hace de ti
un ladrón —
supe que te vas del país que no
te quiso
(te prometían el pasado
querías hablar de futuro
separados por el presente). El viento que
sopla afuera
da una falsa vida a las cosas
(difícil mantenerte vivo
en un pantano de horas muertas) si
la cerveza
en donde al atardecer ahogarás los sentidos
ya tiene más medallas
que tú. Si al fin del día preguntas
a dónde fue todo el día
es la hora de partir (no quedarse preso en el naufragio)
esperando un milagro en la playa
llorando a los barcos
por sus nombres.

Versiones del portugués de Renato Sandoval Bacigalupo
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Prelúdio
Transporto comigo este dia como / a sola do sapato transporta uma / pastilha elástica. O poema vai sem medo / (dispõe-se sobre papel) / deixa ficar escrito a negro o / que tinha para dizer / (perseguindo sem pereza o que / ainda não existe). E a que cheira o novo dia? / Por ora a batata frita — / pequeno prodígio um poema: a si / cabe decidir se enfeita / (ou não) o / real. Porque virá sempre alguém em busca / de imagens precisas / (recusando o artifício que adorna a beleza) / perguntando pela verdade que existe / nas coisas comuns.

Maçãs selvagens
Mais do que o primeiro verso inquieta-me / o seguinte: o / segundo quem o dá? Escolho o / mundo / com as pálpebras (abrindo e fechando os olhos) / escolher é excluir / excluir é entender / entender é conservar. Cada poema escrito é uma oportunidade / como alguém em quem se toca e sem / que se conte dá choque / (uma espinha na garganta) a / unha num / quadro de ardósia. Fazer poemas é como ir / roubar / maçãs selvagens — / vais aÌ€ espera de doçura mas / surpreende-te a acidez. Dentro do poema: / sons / (em redor: espaço branco) / sileÌ‚ncio a trabalhar.

A hipótese do cinzento
Num mundo a preto e branco / recomendaram-me o cinzento. Um recurso / extraordinário. Com a hipótese do cinzento poderia / ensaiar / soluções inusitadas — / experimentar o morno (que não é frio nem / quente) / explorar o lusco-fusco (que / não é noite nem dia) praticar a omissão / (que não é falsa / nem verdade). Preto e branco misturados permitiam / finalmente / viver em conformidade — / desocupar os extremos (tão alheios aÌ€ virtude) / liquefazer-me na turba / no centro na / média / dourada. Com a paleta dos cinzentos poderia / aprimorar a arte da sobreviveÌ‚ncia que / (como os mansos bem sabem) é / não estar vivo / nem morto.

Falsa vida
Não me lembro em que
naufrágio
disseste que vinhas.
Vítor Sousa
A / areia que trazes da praia não faz de ti / um ladrão — / soube que te vais embora do país que não / te quis / (prometiam-te o passado / querias falar de futuro / separados pelo presente). O vento que / sopra lá fora / dá uma falsa vida aÌ€s coisas / (difícil manteres-te vivo / num paul de horas mortas) se / a cerveja / onde aÌ€ tardinha irás afogar os sentidos / já tem mais medalhas / que tu. Se ao fim do dia perguntas para / onde foi o dia inteiro / é a hora de partir (não ficar preso ao naufrágio) / esperando um milagre na praia / chorando os barcos / pelo nome.

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