Inês Dias / Tritón

 [Jardín de la Sirena, s. xviii]

Te quiero así.
Con las piernas que nunca tuve
para seguirte
y todos los dedos que fui
amputando, del lado del corazón,
en castigo por no saber tocarte.

Así, finalmente con la cabeza perdida
para explicarte sólo
lo esencial —

no hay palabras
suficientes para este amor.
Y un poema, incluso de piedra,
también pasa, a menos que
te ganen por siempre los ojos.

 

Las invasiones bárbaras

Primero la lluvia
en el interior, en aguaceros,
presentimiento de agujas frías
detrás de una puerta.

Adentro ya no es la casa
que se calienta sin nosotros,
antes el negro al fondo del negro,
sin almohadillas ni gato que nos afanen las manos.

Nos consumimos en el hueso,
extraemos el último mineral de la boca —
palabras y dientes racionados,
menos hambre, menos aliento, menos fuego.

Sólo los sueños prosiguen en su metástasis
tranquila, política de tierra quemada
en torno a nuestra ausencia,
para dejar un imperio urgente en herencia.

Tal vez el futuro del país
está, al final, en los pacientes terminales.

 

El secreto
[Jardín Amália Rodrigues, 1961]

Van algunos en busca de belleza, dicen.
Herberto Helder

Mis dedos ya sabían
de color a la perfección.

La muerte era lo de menos.
Sólo la belleza nos parecía intolerable
si no la despedazásemos,
voz a voz, compás a compás,
en una armonía más dócil. Menos urgente
que los músculos que ensayábamos
todos los días sin tocarnos.

Ahora escucho otras manos
golpear el mismo misterio y
secretar, pianississimo,
al oído de alguien demasiado lejos,
cuando al final apenas te adormeciste
dentro de mí, con las garras
clavadas levemente en la memoria.

Versiones del português de Rocío Cerón
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Tritão [Jardim da Sereia, séc. xviii]
Quero-te assim. / Com as pernas que nunca tive / para te seguir / e todos os dedos que fui / amputando, do lado do coração, / em castigo por não saber tocar-te. // Assim, de cabeça finalmente perdida / para te explicar apenas / o essencial — // não há palavras / suficientes a este amor. / E um poema, mesmo de pedra, / também passa, a menos que / te ganhe para sempre os olhos.

As invasões bárbaras
É primeiro a chuva / lá fora, em bátegas, / pressentimento de agulhas frias / atrás de uma porta. // E cá dentro já não é a casa / que se aquece sem nós, / antes o negro ao fundo do negro, / sem almofadas nem gato que nos afaguem as mãos. // Consumimo-nos rente ao osso, / extraímos o último minério da boca — / palavras e dentes racionados, / menos fome, menos fôlego, menos fogo. // Só os sonhos prosseguem na sua metastização / tranquila, política de terra queimada / à volta da nossa ausência , / para deixar um império urgente em herança. // Talvez o futuro do país / esteja, afinal, nos doentes terminais.

O segredo [Jardim Amália Rodrigues, 1961]
Vão alguns em busca de beleza, dizem.
Herberto Helder

Os meus dedos já souberam / de cor a perfeição. // A morte era o menos. / Só a beleza nos parecia intolerável / se não a despedaçássemos, / voz por voz, compasso a compasso, / numa harmonia mais dócil. Menos urgente / do que os músculos que ensaiávamos / todos os dias sem nos tocarmos. // Agora ouço outras mãos / a tactear o mesmo mistério e / é como segredar pianississimo, / ao ouvido de alguém demasiado longe, / quando afinal adormeceste apenas / dentro de mim, com as garras / cravadas ao de leve na memória. 

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