Canto noveno / Nuno Moura

I
aún los carteros andaban a pie
y el agua con gas era en el mar y la sangre espesa diluía
se extendía la ropa en los arenales
y aún conocíamos a las personas de nuestra vida
aún se entraba y salía de este país
con la ligereza de un mesero
aún nadie abusaba de su posición
a no ser para lanzar hijos al aire
el carnicero colgaba corazones excelentes
hace mucho se había abandonado la idea de los números oficiales
se buscaban ataques de hambre prendiendo fuego a madrigueras
y de ahí nada surgía
a no ser un mayor entendimiento de la tierra
y de sus camaleones soñolientos
rastreadores de nuevas rutas
había itinerancia antes de haber autobuses
y los dragones rojos celebraban lecciones fúnebres
aún la muerte no tenía conocimiento de la prosa
y era común la pasión súbita por perros
y se explicaba la velocidad a los hijos
sin bloqueador solar
y las corrientes de aire perfumaban a la planta del café
y ya admirábamos las estrellas
sentado en el regazo de João dos Santos
aún pedíamos disculpas cuando nos sentábamos de espaldas
porque aprendimos el proverbio luandino
el sabio corre de espaldas
aún no había monedas en las piscinas naturales
y el pez espada negro ya coloreaba porto-muniz
y ya una mujer barajeaba una aldea
con la dulzura de la ropa cambiada
y si había choferes era para que llevaran resúmenes
éramos todos criados sin toallitas, sólo con abrazos
aún nuestros festivales eran por carta
y el femenino de pendejo era pequeña y de
abundancia habas
aún Líbano no hacía anuncios al turismo
ni Portugal tenía mar
nadie había dicho «ese dinero va
a llevarnos a la ruina»
y los hombres apenas usaban marcas
de fieras peligrosas y no soñaban aún
escribir a soberanos
ni en catálogos literarios
para smart-shops
y los refrigeradores aún no interferían
con radio áfrica
y la national geographic era apenas música
y las teorías eran horarios que nadie habitaba
y la presencia de un hijo era la pose que el amor más admiraba
y el interior y el exterior
eran las posiciones que este niño ensayaba
durante el sueño
y aún nadie había ocupado las 30 plazas
para pintar en la calle.

 

Versión del portugués de Sergio Ernesto Ríos

__________
Canto nono
i
ainda os carteiros andavam a pé / e a água com gás era no mar e o sangue grosso diluía / estendia-se a roupa nos areais / e ainda conhecíamos as pessoas da nossa vida / ainda se entrava e saía deste país / com a ligeireza de um empregado de mesa / ainda ninguém abusava da sua posição / a não ser para lançar filhos ao ar / o homem do talho pendurava corações excelentes / há muito se tinha abandonado a ideia dos números oficiais / procuravam-se ataques de fome deitando fogo a tocas / e daí nada surgia / a não ser um maior entendimento da terra / e dos seus camaleões sonolentos / farejadores de novas estradas / havia itinerância antes de haver autocarros / e os dragões vermelhos cerimoniavam aulas fúnebres / ainda a morte não tinha conhecimento de prosa / e era comum a paixão súbita por cadelas / e explicava-se a velocidade aos filhos / sem loção solar / e as correntes de ar cheiravam à planta do café / e já admirávamos as estrelas / sentados no colo do João dos Santos / ainda pedíamos desculpa quando nos sentávamos de viés / porque aprendemos o provérbio luandino / o sábio corre de costas / ainda não havia moedas nas piscinas naturais / e já o peixe-espada preto coloria porto-moniz / e já uma mulher baralhava uma aldeia / com a doçura da roupa trocada / e se havia motoristas era para levarem resumos / éramos todos criados sem toalhetes, só com abraços / ainda os nossos festivais eram por carta / o feminino de puto era miúda e de / abundância vagem / ainda o Líbano não fazia anúncios ao turismo / nem Portugal tinha mar / ninguém tinha dito «esse dinheiro vai / levar-nos à ruína» / e os homens usavam apenas marcas / de feras perigosas e não sonhavam ainda / escrever a soberanos / nem em catálogos literários / para smart-shops / e os frigoríficos ainda não interferiam / com a rádio áfrica / e a national geographic era apenas música / e as teorias eram horários que ninguém habitava / e a presença de um filho era a pose que o amor mais admirava / e o interior e o exterior / eram as posições que essa criança ensaiava / durante o seu sono / e ainda ninguém tinha ocupado as 30 vagas / para pintar na rua.

Comparte este texto: