Luí­s Quintais / Lejos del paraí­so

Amamos a una mujer, luego un continente perdido.

      Al final, fuimos nosotros que perdemos el norte.
      Alguien abre la puerta, el viento del desierto
      sopla dentro de la sala, somo llevados lejos
      del paraíso, improbable ficción consentida.

Marcamos el tiempo, el compás.
      La música después del silencio sabe la áspera notación,
      incontenida furia tomando por asalto las arterias
      que insisten con su oficio de cosas
      vivas y frágiles.

 

Europa

Una mujer lee a Goethe
      sentada en el umbral de la biblioteca.
      Goethe es la casa de la literatura

y ella lee Viaje a Italia
      con denodada atención.
      Cruza la pierna, de la izquierda

a la derecha, de la derecha
      a la izquierda, el rostro tenso,
      subrayando la concentración.

En la mano asoma nervioso
      el lápiz, que luego subrayará
      las proposiciones que la memoria

enaltece. Los labios se mueven
      labios de niña aprendiendo a leer,
      regreso a un origen.

que se repite a cada lectura,
      lo que define al clásico.
      La escritura es lenta, voraz, física,

cosa de vísceras y sentidos
      despiertos, geografía de lo indefinible
      que se define a cada lectura.

Reparo en la ausencia, en el ensimismado
      rumor de las páginas, en el cabello cano
      de la mujer leyendo a Goethe, la casa de la cultura.

 

Bárbara lírica

Die Zaubeflöte, padre. No lo dices así.
      Yo tampoco sé alemán,

pero sé que cantarás por la tarde,
      y te oiré en el garaje durante ese ensayo

último y mortal.
      El mundo acabará y volverá a empezar

en un ciclo de alucinaciones y sutiles tonos
      de voz, que tú dominarás.

Las sombras caerán sobre el presente
      donde te escucho. Eres puro brillo

que un sueño de eternidad aún compone.

 

Versiones del portugués de Renato Sandoval Bacigalupo

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      Longe do paraíso
      Amamos uma mulher, depois um continente perdido. / Afinal, fomos nós que perdemos o norte. / Alguém abre a porta, o vento do deserto / sopra dentro da sala, somos levados para longe / do paraíso, improvável ficção consentida. // Marcamos o tempo, o compasso. / A música depois do silêncio sabe a notação desabrida, / incontida fúria tomando de assalto as artérias / que insistem no seu ofício de coisas / vivas e frágeis.

Europa
      Uma mulher lê Goethe / sentada no átrio da biblioteca. / Goethe é a casa da cultura // e ela lê Viagem a Itália / com denodada atenção. / Traça a perna, da esquerda // para a direita, da direita para / a esquerda, o rosto tenso, / sublinhando a concentração. // Na mão assoma nervosa / o lápis, que adiante sublinhará / as proposições que a memória // enaltece. Os lábios movem-se, / lábios de criança aprendendo a ler, / regresso a uma origem // que se repete a cada leitura, / o que define o clássico. / A escrita é coisa lenta, voraz, física, // coisa de vísceras e de sentidos / despertos, geografia do indefinível / que se define a cada leitura. // Reparo na ausência, no ensimesmado / restolhar das páginas, no cabelo cinza / da mulher lendo Goethe, a casa da cultura.

Bárbara lírica
      Die Zauberflöte, pai. Não o dizes assim. / Eu também não sei alemão, // mas sei que irás cantar pela tarde, / e ouvir-te-ei na garagem durante esse ensaio // derradeiro e mortal. / O mundo acabará e recomeçará de novo // num ciclo de alucinações e subtis tons / de voz, que tu dominarás. // As sombras cairão sobre o presente / onde te escuto. És o puro brilho // que um sonho de eternidade ainda compõe.

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