Amamos a una mujer, luego un continente perdido.
Al final, fuimos nosotros que perdemos el norte.
Alguien abre la puerta, el viento del desierto
sopla dentro de la sala, somo llevados lejos
del paraíso, improbable ficción consentida.
Marcamos el tiempo, el compás.
La música después del silencio sabe la áspera notación,
incontenida furia tomando por asalto las arterias
que insisten con su oficio de cosas
vivas y frágiles.
Europa
Una mujer lee a Goethe
sentada en el umbral de la biblioteca.
Goethe es la casa de la literatura
y ella lee Viaje a Italia
con denodada atención.
Cruza la pierna, de la izquierda
a la derecha, de la derecha
a la izquierda, el rostro tenso,
subrayando la concentración.
En la mano asoma nervioso
el lápiz, que luego subrayará
las proposiciones que la memoria
enaltece. Los labios se mueven
labios de niña aprendiendo a leer,
regreso a un origen.
que se repite a cada lectura,
lo que define al clásico.
La escritura es lenta, voraz, física,
cosa de vísceras y sentidos
despiertos, geografía de lo indefinible
que se define a cada lectura.
Reparo en la ausencia, en el ensimismado
rumor de las páginas, en el cabello cano
de la mujer leyendo a Goethe, la casa de la cultura.
Bárbara lírica
Die Zaubeflöte, padre. No lo dices así.
Yo tampoco sé alemán,
pero sé que cantarás por la tarde,
y te oiré en el garaje durante ese ensayo
último y mortal.
El mundo acabará y volverá a empezar
en un ciclo de alucinaciones y sutiles tonos
de voz, que tú dominarás.
Las sombras caerán sobre el presente
donde te escucho. Eres puro brillo
que un sueño de eternidad aún compone.
Versiones del portugués de Renato Sandoval Bacigalupo
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Longe do paraíso
Amamos uma mulher, depois um continente perdido. / Afinal, fomos nós que perdemos o norte. / Alguém abre a porta, o vento do deserto / sopra dentro da sala, somos levados para longe / do paraíso, improvável ficção consentida. // Marcamos o tempo, o compasso. / A música depois do silêncio sabe a notação desabrida, / incontida fúria tomando de assalto as artérias / que insistem no seu ofício de coisas / vivas e frágeis.
Europa
Uma mulher lê Goethe / sentada no átrio da biblioteca. / Goethe é a casa da cultura // e ela lê Viagem a Itália / com denodada atenção. / Traça a perna, da esquerda // para a direita, da direita para / a esquerda, o rosto tenso, / sublinhando a concentração. // Na mão assoma nervosa / o lápis, que adiante sublinhará / as proposições que a memória // enaltece. Os lábios movem-se, / lábios de criança aprendendo a ler, / regresso a uma origem // que se repete a cada leitura, / o que define o clássico. / A escrita é coisa lenta, voraz, física, // coisa de vísceras e de sentidos / despertos, geografia do indefinível / que se define a cada leitura. // Reparo na ausência, no ensimesmado / restolhar das páginas, no cabelo cinza / da mulher lendo Goethe, a casa da cultura.
Bárbara lírica
Die Zauberflöte, pai. Não o dizes assim. / Eu também não sei alemão, // mas sei que irás cantar pela tarde, / e ouvir-te-ei na garagem durante esse ensaio // derradeiro e mortal. / O mundo acabará e recomeçará de novo // num ciclo de alucinações e subtis tons / de voz, que tu dominarás. // As sombras cairão sobre o presente / onde te escuto. És o puro brilho // que um sonho de eternidade ainda compõe.