Rosa Alice Branco / Las madres

para Joni

La madre llama para el almuerzo
y corres con los pantalones rotos,
los bolsillos llenos,
la risa molestando a las horas,
las manos lavadas deprisa
y tu boca es dulce cuando llega a la mesa.

Si tardas, la madre guarda tu plato
junto al corazón
y nos sonríe como si fueras a llegar.
La comida se enfría. Nuestros ojos pegados
a la puerta, a las travesuras que habrás de hacer,
a las rodillas reventadas,
a los bolsillos que se vacían en cenizas.
Pero no hay mar que baste para ahogar
el almuerzo a la deriva de tu plato.

La voz de la madre no deja de llamarte.
Cuanto más calla, más la oímos
aullar en silencio por su cría.
Y aún así nos sonríe,
y nosotros a ella, tan torpes.

Las madres siempre llaman a sus hijos.
Cuando saben que la hora de la comida acabó
siguen viéndolos entrar por la puerta
con sonrisa de niño endemoniado.
Después de que todos se levantan de la mesa
ellas astillan el plato contra su corazón
y siguen siendo madres
con los ojos cansados y las suelas gastadas
de esperar en el frío para siempre jamás.

 

Menos razones que aves: Irak

La ruta de las aves. Esas mañanas en que
levantaba la cabeza y ellas pasaban
a ras de la infancia. Paseaban
en el cielo como yo paseaba aquí abajo. Sin calle
ni paseos apiñados en la respiración por un secreto
dentro del oído. Un temblor, casi la conciencia
de tener cuerpo. En bandadas, más gente que secretos.
Tal vez sea por eso que se posan en los tejados vacíos.
Es el camino quien las escoge.
Hay más cosas que decir entre el qué y el quién.
Por ejemplo, las aves tienen rutas que la guerra desconoce.
Previsible colisión con aviones
este año (piensa ella),
este país con sangre
en el pico de las aves.
Ellas pasaban. Quedan los trenes, los apeaderos,
el hervidero de pasos que se apartan de las aves.
El cuerpo exigía otros mapas, líneas
sinuosas o besos. Las mañanas ahora hacen preguntas,
por ejemplo, quién escoge una muerte para seguir la ruta de los                                                                                                                         [demás. Siempre
una pregunta sobre las ganancias.
Se concluye que hay menos razones que aves
en los tejados solitarios. Hay menos, pero más sangre.

 

Arca de Noé

Mujer, vuélvete de nuevo hacia atrás.
Es mejor deshacerse en sal que casarte
cada siete años por equivocación,
morir o matar por comida
y oro negro,
torturarse porque no se cree
o vivir esperando ser alimentado allá arriba.
Tener que sentir la mea culpa que nos enseñaron.
Mea maxima culpa.
Tú mismo te arrepentiste porque nos creaste
y te arrepentiste.
Pero no es suficiente, no la máxima culpa.
Fue brutal que hayas ahogado a tanta gente,
pero salvaste a algunos que se reprodujeron.
Y después otros mataron con gas
y muchos fusilaron.
Pero sólo tú mataste por bondad divina
y sembraste tanta convicción en los hombres
que la fe todavía mueve montañas
donde las minas crucifican como clavos.
Oh Padre ejemplar: tu enseñanza
empieza en casa y el estertor
de tu hijo no tiene fin.

Versiones del portugués de Blanca Luz Pulido

 

__________
As mães
para o Joni

A mãe chama para o almoço / e corres com os calções rotos, / os bolsos cheios, / o riso a arreliar as horas, / as mãos lavadas à pressa / e a tua boca é meiga ao chegar à mesa. // Se tardas, a mãe guarda o teu prato / junto ao coração / e sorri-nos como se fosses chegar. / O almoço esfria. Os nossos olhos colados / à porta , às tropelias que hás-de fazer, / aos joelhos rebentados, / aos bolsos que se esvaziam em cinzas. / Mas não há mar que baste para afogar / o almoço à deriva no teu prato. // A voz da mãe não cessa de chamar por ti. / Quanto mais cala, mais a ouvimos / a uivar em silêncio pela sua cria. / E mesmo assim sorri-nos, / e nós a ela, tão desajeitados. // As mães sempre chamam pelos filhos. / Quando sabem que a hora do almoço findou / continuam a vê-los entrar pela porta / com sorriso de criança endiabrada. / Depois que todos se levantam da mesa / elas estilhaçam o prato contra o coração / e continuam mães / com os olhos cansados e as solas gastas / de esperar ao frio para todo o sempre.

Menos razões que aves: Iraque
A rota das aves. Essas manhãs em que / levantava a cabeça e elas passavam / rente à infância. Passeavam / no céu como eu passeava cá em baixo. Sem rua / e passeios apinhados na respiração por um segredo / dentro do ouvido. Um tremor, quase a consciência / de ter corpo. Em bando, mais gente que segredos. / Talvez seja por isso que pousam nos telhados vazios. / É o caminho que as escolhe . / Há mais coisas a dizer entre o quê e o quem. / Por exemplo, as aves têm rotas que a guerra desconhece. / Previsível colisão com aviões / este ano (pensa ela), / este país em sangue / no bico das aves. / Elas passavam. Ficam os comboios, os apeadeiros, / o borbulhar de passos que se afastam das aves. / Era o corpo que exigia outros mapas, linhas / sinuosas ou beijos. As manhãs agora fazem perguntas, / por exemplo, quem escolhe uma morte para seguir a rota dos outros. Sempre uma / pergunta sobre o lucro. / Conclui-se que há menos razões que aves / nos telhados solitários. Há menos, mas mais sangue.

Arca de Noé
Mulher, vira-te de novo para trás. / É melhor desfazeres-te em sal do que casar / de sete em sete anos por engano, / morrer ou matar por comida / e ouro negro, / torturar-se porque se descrê / ou ficar à espera de ser alimentado lá em cima. / Ter de sentir a mea culpa que nos ensinaram. / Mea maxima culpa. / Tu mesmo te perguntaste porque nos fizeste / e te arrependeste. / Mas não o suficiente, não a máxima culpa. / Foi brutal teres afogado tanta gente, / mas salvaste alguns que se reproduziram. / E depois outros mataram com gás / e muitos fuzilaram. / Mas só tu mataste por bondade divina / e semeaste tanta convicção nos homens / que a fé ainda move as montanhas / onde as minas crucificam como pregos. / Oh Pai exemplar: o teu ensinamento / começa em casa e o estertor / do teu filho não tem fim.

Comparte este texto: