Renato Filipe Cardoso / Casiopea

paso mucho tiempo soñando con llamadas

perdidas. ansío que dependan de mí
muchas bocas que alimentar. Le pregunto
a la luna si tiene frío, si quiere que vaya a buscarle
una cobija. decoro paredes vacías con el aullido
agónico de los perros. tal vez, como yo, crean
que la ciudad es un taller de luz ilegal. tal vez
les incomoden los discos voladores que convoco
para traducir en corazón nativo. septiembre
es un ring abandonado donde la noche asesta
sucesivos uppercuts contra las páginas
de mis huesos heridos. paso muchas horas
viendo anuncios de suplementos de calcio.
a veces llamo, para poder articular mi nombre
desear buenas noches a la contestadora automática. es simpática
la grabación. a menos que bombero en contra, a esta
hora de la noche soy el único fuego despierto. a la espera
de que llegue una postal de casiopea.

 

claudia

cuando tu padre murió de cáncer
tuve por primera vez miedo de perderte.
desde entonces, si el arroz se achicharraba en el fondo
siempre que el pescado se asaba de más
cuando en la piel del pollo se tiznaba la negrura del carbón
me daba por quitarle al plato —infantilmente, lo sé—
todas las partes quemadas de cada alimento
las cuales comía primero, para apartarlas de ti.
sí, habría bastado separarlo y tirarlo,
pero era como pedir al dios de las cosas quemadas
que cargara en mí el cáncer al acecho
en tu genética predestinación.
no sé lo que esto dirá de mí, tal vez
sólo demuestre propensión para intentar ocultar el sol
con mariposas
lo que, además de estúpidamente poético,
es sólo ineficaz.
sí, hoy, que no compartimos comidas ni muertes,
siento que una novel cepa de cáncer
se llevó lo mejor de nosotros
cada día es una extremaunción sobre cadáveres aplazados
todas las palabras son las últimas palabras
cada palabra, todo en la boca,
sabe a quemado

 

Versiones del portugués de Montserrat Acuña
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cassiopeia
passo muito tempo a sonhar com chamadas / perdidas. anseio que dependam de mim / muitas bocas para alimentar. Pergunto / à lua se tem frio, se quer que vá buscar-lhe / um cobertor. decoro paredes vazias com o uivo / agónico dos cães. talvez, como eu, acreditem / que a cidade é uma oficina de luz ilegal. talvez / lhes incomodem os discos voadores que convoco / para traduzir em coração nativo. setembro / é um ringue abandonado onde a noite desfere / sucessivos uppercuts contra as páginas / dos meus ossos feridos. passo muitas horas / a ver anúncios de complementos de cálcio. / às vezes ligo, para poder articular o meu nome , / desejar boa noite ao atendedor. é simpática / a gravação. salvo bombeiro em contrário, a esta / hora da noite sou o único fogo acordado. à espera / que chegue um postal de cassiopeia.

cláudia
quando o teu pai morreu de cancro / tive pela primeira vez medo de perder-te. / desde então, se o arroz esturrava no fundo / sempre que o peixe assava de mais / quando a pele do frango esmaecia negra de carvão / dei por mim a tirar para o prato —infantilmente, eu sei— / todas as partes queimadas de cada refeição / as quais comia primeiro, para afastá-las de ti. / sim, teria bastado separar e deitar fora, / mas era como se pedisse ao deus das coisas queimadas / que carregasse em mim o cancro à espreita / na tua genética predestinação. / não sei o que isto dirá de mim, talvez / apenas demonstre propensão para tentar ocultar o sol / com borboletas / o que, além de estupidamente poético, / é ineficaz . / hoje, que não partilhamos refeições nem mortes, / sinto que uma novel estirpe de cancro / levou a melhor sobre nós / cada dia é uma extrema unção sobre cadáveres adiados / todas as palavras são últimas palavras / cada palavra, tudo na boca, / sabe a queimado

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