Epitafio de domingo / Cláudia R. Sampaio

Si yo desapareciera hoy

Y hablo incluso de mi cuerpo aquí muy sentado
escribiendo desde la punta de la lengua a la legua más distante
de mi vida,
di que he comprendido.

Di que sé que nada está donde es seguro estar
Que el amor súbito es la escalera al entendimiento
Di que fui aire azul sobre campos de sequedad
Carretera recta al infinito, entre olivares,
un accidente a lo lejos
Que probé toda la sed cuando engullí a los hombres
Que quemé alegremente en el ácido de las palabras
Que caí de rebote para que me vieran
Y cuando me vieron me levanté siendo animal.

Di que me viste desnuda, siempre
Que corrí por hospicios con los ojos cerrados
y la boca al revés
Que viví más en lo alto que en el mundo plano
y fui honesta en mi próxima locura.

Di que nunca olvidé la subida a un arce
Que nadie vivió en mi lugar, ni yo en el de nadie
Que fui, sí, el halo frío que llené con esta pena
por mi ausencia
Y que todo lo que dije fue con silencio.

Di que sé, sobre todo, que ardimos juntos como ventosas,
aunque no quieras
Que tu cuerpo me sirvió para andar con las piernas asmáticas
Que te agradezco haberte ofrecido lirios
Que me redujiste la náusea de la especie
Di que yo, que fui yo.

Guárdame este secreto que tengo amplio bajo mis cabellos:
—¿qué tanto en mí fui que no viví
y qué tanto en ti es que fui yo?

Pero no te preocupes, no desaparezco hoy
Cuando me conociste yo no existía ya,
y tú sabes
que esas saudades que vas teniendo
son las mías.

Versión del portugués de Mario Morales

 

__________
Epitáfio de domingo
Se eu desaparecer hoje / E falo mesmo do meu corpo aqui tão sentado / a escrever desde a ponta da língua à légua mais distante / da minha vida, / diz que compreendi. // Diz que sei que nada está onde é certo estar / Que o amor súbito é a escada para o entendimento / Diz que fui ar azul sobre campos de secura / Estrada recta ao infinito, entre oliveiras, / um acidente ao longe / Que provei toda a sede quando engoli os homens / Que queimei alegremente no ácido das palavras / Que tombei em ricochete para que me vissem / E que quando me viram me ergui animal // Diz que me viste nua, sempre / Que corri por hospícios de olhos fechados / e a boca às avessas / Que vivi mais ao alto do que em mundo plano / e fui honesta na minha rente loucura // Diz que nunca esqueci a subida a um plátano / Que ninguém viveu no meu lugar, nem eu no de ninguém / Que fui sim, o halo frio que enchi com esta pena pela / minha ausência / E que tudo o que disse foi com silêncio // Diz que sei, sobretudo, que ardemos juntos como ventosas, / embora não queiras / Que o teu corpo me serviu de andar nas pernas asmáticas / Que te agradeço ter-te oferecido lírios / Que me reduziste o nojo da espécie / Diz que eu, fui eu // Guarda-me este segredo que tenho largo por baixo dos cabelos: / —quanto em mim fui que não vivi / quanto em ti é que fui eu? // Mas não te preocupes, não desapareço hoje / Quando me conheceste já eu não existia, / e tu sabes / que essas saudades que vais tendo, / são as minhas.

Comparte este texto: