Manuel de Freitas / Piso antiguo

 

para António Manuel Couto Viana

 

Es una pena que no existan ya
esos lugares inmundos —puros, quiero
decir— donde la muerte entraba
sin tener que pedir permiso.
Lugares donde eran por igual sinceros
el sueño, el vómito o la sombra de un abrazo
(Mayakovsky y Céline tenían la misma importancia
y la suerte de no ser futbolistas).

Es una pena que no podamos ya
celebrar en el suelo la derrota
del cuerpo por la mañana. Al lavarse
los vasos, la última vez, hubo dos
o tres generaciones que se partieron.
Tal vez yo perteneciera a una de ellas —pero
eso, al poema, le importa muy poco.

Hay un lugar que escribe sobre
la ausencia de todos los lugares.
Toneles de varios tamaños
donde he inscrito, por distracción,
el único nombre verdadero.
Estoy hablando, naturalmente,
de cantinas.
Pero tal vez no sea sólo eso.

 

Sub rosa

para Herberto Helder

 

No somos los últimos, pues si
hay algo que el mundo siempre ha hecho bien
es acabar. De nuevo y siempre: acabar.

Más no trabajamos ya con el oro
y tenemos un cierto pudor tardío
en hablar de Dios, del amor o hasta del cuerpo.

Las metáforas se enfrían, quizá contrariadas.
Son casas devueltas, madres sonrientes
o sombrías cuyo grito dejamos de escuchar.

De la basura, sin embargo, tenemos un vasto
e inútil conocimiento. Puede
servirle de rosa triste a los
que no cantan, ni siquiera, por delicadeza.

 

Versiones del portugués de Rocío Cerón

 

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Chão antigo
para o António Manuel Couto Viana

É pena que já não existam / esses lugares imundos —puros, quero eu / dizer— onde a morte entrava / sem ter de pedir licença. / Lugares onde eram por igual sinceros / o sono, o vómito ou a sombra de um abraço / (Mayakovsky e Céline tinham a mesma importância / e a sorte de não serem futebolistas). // É pena que já não possamos / comemorar no chão a derrota / do corpo pela manhã. Ao lavarem / os copos, da última vez, houve duas / ou três gerações que se partiram. / Talvez eu pertencesse a uma delas —mas / isso, ao poema, importa muito pouco. // Há um lugar que escreve sobre / a ausência de todos os lugares. / Tonéis de vários tamanhos / onde inscrevi, por distracção, / o único nome verdadeiro. / Estou a falar, naturalmente, / de tabernas. / Mas talvez não seja apenas isso.

Sub rosa
para o Herberto Helder

Não somos os últimos, pois se / há coisa que o mundo sempre fez bem / foi acabar. De novo e sempre: acabar. // Mas já não trabalhamos com o ouro / e temos um certo pudor tardio / em falar de Deus, do amor ou até do corpo. // As metáforas arrefecem, talvez contrariadas. / São casas devolutas, mães risonhas / ou sombrias cujo grito deixámos de escutar. // Do lixo, porém, temos um vasto / e inútil conhecimento. Possa / ele servir de rosa triste aos / que não cantam sequer, por delicadeza.

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